GOLDEN MONTH: CONHEÇA O CONCEITO DE PÓS-PARTO GENTIL,INSPIRADO NA MEDICINA CHINESA

 

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Golden month: conheça o conceito de pós-parto gentil, inspirado na medicina chinesa

Tratar a si mesma com gentileza e permitir-se ser cuidada durante o puerpério pode ser determinante para o resto da sua vida. É o que diz uma corrente da filosofia oriental e da acupuntura chinesa. Viver esse período com calma e se entregar de corpo e alma é fundamental para fortalecer a mulher que você se torna com a maternidade

Mês de ouro. É assim que a medicina chinesa denomina o pós-parto. De acordo com essa filosofia, a mãe deve ser cuidada – tradicionalmente, pelas mulheres mais velhas – com tanta atenção e delicadeza quanto o recém-nascido. Ao longo das primeiras semanas que sucedem a chegada do bebê, o foco deve ser o bem-estar e a “cura” dela, que também renasceu para o mundo. Para os orientais, priorizar a recuperação gentil não é egoísmo, mas uma atitude vital para a sobrevivência da mulher e do bebê. Bem diferente do que acontece no mundo ocidental, onde somos estimulados o tempo inteiro pelas vidas perfeitas exibidas nas redes sociais. Ao rolar as telas, tudo o que se vê é uma volta expressa à “vida normal”, ao trabalho, à casa impecável e às medidas do corpo que cabiam no jeans antes da gravidez.

Uma das propagadoras dessa forma de ver o puerpério para o Ocidente é a acupunturista Jenny Allison, da Nova Zelândia, especialista em medicina chinesa e professora. Ela é autora do livro Golden month: caring for the world’s mother after childbirth (em tradução livre, “Mês dourado: cuidando das mães do mundo depois do parto”, ainda sem previsão de lançamento no Brasil). “Quando outras pessoas assumem os cuidados com a mãe, ela tem uma sensação de bem-estar e orgulho de si mesma. A recuperação será mais fácil, o vínculo com o bebê será mais forte, ela produzirá mais leite e se sentirá capaz de fazer os ajustes necessários em sua maternidade. Uma pessoa estressada, deprimida ou exausta é, em vários graus, uma mãe ausente do ponto de vista do bebê”, explica a escritora, em entrevista exclusiva à CRESCER. 

1 MÊS, 2 MESES… OU 12!
Apesar de o nome ser golden month ou “mês dourado”, a quarentena ou resguardo – ou seja lá como preferir chamar essa travessia que se estende até a compreensão de quem você se torna depois de uma gestação – pode levar um tempo diferente de acordo com quem a vive. Em geral, a parte mais densa dura de quatro a seis semanas, segundo Jenny, mas cada história é única. Aliás, limite de tempo é o que menos faz sentido durante esse processo. “O que define é a fusão entre mãe e bebê, e o fim ocorre quando ela consegue se distanciar com calma e tranquilidade. Há uma cobrança social para que a mulher saia rápido desse lugar, mas o ideal é que aconteça quando ela se sentir pronta”, explica a doula pós-parto Priscila Castanho, fundadora do grupo de apoio a mães no puerpério Abraço Materno (SP). Sim, a necessidade de suporte é tão real e está tão esquecida em nossa cultura que existem profissionais especializadas nesse tipo de apoio. 

Segundo a medicina chinesa, a vida feminina tem três oportunidades de ouro. Além do puerpério, há a chegada da menstruação e a menopausa, todas, portanto, ligadas ao ciclo de fertilidade. “A do pós-parto, no entanto, é considerada de longe a mais poderosa delas”, diz a acupunturista. “Você pode usar esse tempo não apenas para se recuperar do parto, mas também para resolver antigas doenças e traumas e, dessa forma, aprimorar sua saúde futura”, completa Jenny.

“Vivi os primeiros dias em êxtase. Nem me lembro dos detalhes, só de estar em ‘outra dimensão’. Depois, experimentei medo, solidão, tristeza, insegurança, mas também amor, contemplação, poesia, entrega... Às vezes, tudo junto”, descreve a psicóloga Fernanda Pereira de Queiroz Aly, 41 anos, mãe de Jasmim, 1 ano. O misto de sensações tem explicações fisiológicas, como as alterações hormonais, mas há, claro, o peso das emoções e da nova rotina. “Há dois grandes desafios. O primeiro engloba as dificuldades na amamentação: de repente, a mãe se dá conta de que o processo não é tão intuitivo e vê que precisa de orientação, em meio à recuperação do corpo após a gestação. Além disso, a chegada de um bebê mexe com a estrutura familiar. Há uma ausência total de controle e a necessidade de estar disponível como nunca antes. Você não se reconhece em meio a esse furacão”, afirma a doula Priscila.

“Ao dar à luz, não é só o corpo físico que passa por uma transformação, mas também o emocional. É uma passagem de uma potência gigantesca e, por isso, o resguardo não é bobagem. É fundamental recolher-se nos dias após o parto, sem pressa para ‘voltar’”, defende a coach e terapeuta Maria Barretto, autora do livro Natureza Íntima – Fendas de uma mulher (Primavera Editorial).

Para a administradora Letícia Oliveira, 37, mãe de Liz, 3 meses, a sensação de os dias serem todos iguais era enlouquecedora: “Havia manhãs em que acordava chorando, sem motivo. Em outros, sentia como se minha vida tivesse sido roubada de mim. Sentia raiva do meu companheiro, mesmo sem ele ter feito nada. Não achava justo só eu passar por tudo aquilo”, conta. “É um momento sensível, e cercar-se de uma rede de apoio que tenha vivenciado isso e que esteja aberta a ajudar sem julgar faz diferença”, resume Letícia.

A CONTA CHEGA
E quando você se deixa levar pela pressão externa e simplesmente continua tentando ignorar esse período necessário de descanso para, como sempre, dar conta de tudo? “Existe um padrão de mães que procura ajuda depois que se passaram meses ou até anos após o parto. Elas relatam que estão exaustas, deprimidas, pegam muito resfriados ou gripes, têm dificuldade para perder o excesso de peso ou sofrem de dores crônicas. Às vezes, têm problema para engravidar novamente porque não recuperaram as forças depois do parto anterior. Elas costumam comentar que não tiveram apoio suficiente no puerpério. Seus sintomas eram, em grande parte, consequência disso”, defende Jenny.

De fato, a ausência desse suporte à mulher nem sempre causa um impacto imediato. Um estudo recente publicado pelo National Institutes of Health (EUA) sugere que a depressão pós-parto, inclusive, pode ter início até três anos depois do parto. Isso mesmo! Muitas mulheres percebem somente mais tarde a carga extra, acumulada, como aconteceu com a pedagoga Débora Gonçalves, 33, mãe de Graziela, 9 meses. “No início, foi uma grande empolgação. Estava tão preparada para a avalanche de emoções que ela não chegou. Mas, com o passar dos meses, o cansaço veio, junto com o desgaste. A novidade foi virando rotina e isso foi pesando”, lembra.

Perceber a frequência desses sintomas retroativos foi uma das grandes motivações para a especialista em medicina chinesa Jenny Allison se aprofundar no mês de ouro. “Em um cenário ocidental, as mulheres, na maioria das vezes, dão à luz no hospital, ficam alguns dias recebendo presentes e flores, mas depois vão para casa, fazer tudo sozinhas com seus parceiros. As flores não têm muita utilidade quando você realmente precisa de alguém para cozinhar, assumir as responsabilidades práticas, ouvi-la e deixá-la descansar”, aponta.

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TIRE A CAPA
Você certamente consegue cuidar de um bebê, ter uma alimentação natural, sem processados ou fast-food, manter a casa limpa, ser profissional, manter um relacionamento saudável com seu(a) parceiro(a), hidratar o cabelo, cuidar da pele, se exercitar. Ninguém duvida disso. Mas não tudo ao mesmo tempo. Muito menos em um período tão delicado e turbulento como o pós-parto. E são grandes as chances de quem diz que consegue estar mentindo, viu? Alô, mães aparentemente perfeitas do Instagram!

“Na cultura ocidental, temos essa ideia de ‘supermulher’ porque as mães esperam se levantar e voltar às suas vidas normais o mais rápido possível após o parto, de preferência usando seus jeans skinny pré-gravidez! Mas não é assim para a maioria, e aí elas perdem a confiança e ficam angustiadas quando não podem fazer tudo o que acham que se espera delas”, diz Jenny. E reforça: “Passamos por mudanças profundas nas seis semanas após o parto, em todos os níveis de nosso ser. É importante respeitar a necessidade de espaço e sossego para que possamos nos curar e conhecer nosso bebê. Para isso, precisamos de um apoio bem organizado o que, infelizmente, falta na sociedade hoje. As práticas tradicionais foram corroídas e, como resultado, a saúde feminina sofre”. A especialista faz ainda uma comparação: “Costumo dizer que, ao parir, a ponte que atravessamos é queimada. É um caminho sem volta.

Podemos brigar com essa onda que nos invade ou podemos nos entregar a ela. O bebê precisa dessa mãe harmonizada. Ele vivencia as questões que ela está vivenciando como um espelho. A ansiedade de prestar contas à sociedade nos distancia desse lugar de busca da nossa própria identidade, mas o pós-parto é uma oportunidade de dar um passo na direção de quem somos com mais clareza e consciência, ainda que nos encontremos com facetas que não necessariamente são confortáveis”, diz.

Para a ginecologista e obstetra Erica Mantelli (SP), colunista da CRESCER, respeitar esse tempo de recuperação com tranquilidade é essencial, tanto física quanto emocionalmente. “Assim como o corpo levou nove meses para se transformar, é preciso entender que não será em nove dias que tudo voltará ao normal”, diz a médica, que também é especialista em saúde sexual. 

A MÃE TAMBÉM PRECISA DE UM BOM COLO
Em uma realidade em que a maioria de nós não sabe nem o nome do vizinho do apartamento ao lado e, muitas vezes, a família mora distante, sem falar no isolamento da pandemia, é difícil sequer pensar em descansar, mesmo que você tenha tido um intenso trabalho de gerar, ao longo de nove meses, e parir um novo ser humano. Mas é aí que entra a importância da rede de apoio.

“O apoio do pai ou parceiro(a) é crucial para o sucesso do Mês de Ouro. É ele(a) que fornece a estrutura para que a mãe possa estar presente. Ele é também um intermediário entre a família e o mundo exterior, e pode proteger a mulher de ter de lidar com responsabilidades que não sejam ela mesma e o novo bebê”, explica Jenny. Alguns casais, aliás, ficam tão afinados que o marido se sente mais envolvido no processo. “Estávamos tão conectados no nascimento da nossa primeira filha que senti que pari junto”, lembra o advogado João Cunha, 43, marido da terapeuta Maria Barretto. Além de Tereza, 10 anos, ele também é pai de José, 8, e Ana, 2. Para João, esse vínculo ajudou tudo a fluir no pós-parto. “Fui o esteio para ela poder se recolher”, recorda.

Vale lembrar que o suporte, seja do pai, da companheira, de uma amiga, da avó, seja de quem for, deve vir, é claro, sem cobranças. “Os apoiadores devem oferecer a ajuda consistente que ela quiser, quando ela quiser. Ao sentir-se forçada a receber apoio em um regime que não lhe convém ou notar que sua liberdade foi tirada, a mãe se verá impotente, e isso pode ser um grande fator no desenvolvimento de depressão pós-parto”, reforça Jenny Allison.

Além do apoio à companheira, a presença ativa de João nesse período rendeu benefícios para ele mesmo, conectando-o aos filhos, fortalecendo o casal e trazendo até mais equilíbrio entre trabalho e família. “Não existe receita. O pai precisa entender a necessidade de recolhimento, acolher e embarcar junto”, diz.

ESPAÇO PARA A ENTREGA
A pandemia veio como um obstáculo extra para as mães conseguirem apoio para vivenciar o pós-parto com tranquilidade. Para a psicóloga Fernanda Aly, mãe de Jasmim, foi um desafio, mas trouxe autoconhecimento. “Por um lado, precisávamos fazer absolutamente tudo sozinhos. Por outro, não tivemos interferências externas e fomos encontrando o nosso caminho devagar”, diz. Fernanda contou também com uma doula, que a atendia em casa. “Durante as sessões de massagens, descobri um lugar precioso de escuta, de carinho e de colo”, lembra.

Um bebê que acaba de chegar não tem noção de compromissos, se é dia, noite ou madrugada… A mãe, de repente, se vê entre a continuidade do mundo externo, que segue seu fluxo, com tarefas, contas, anseios, e as demandas de um cronômetro totalmente diferente. A criança só quer colo, estar perto e ter suas necessidades básicas atendidas. Para conseguir passar por esse período, ela precisa de entrega. E para entregar-se, ela precisa de ajuda.

Outra fonte: Marilia Senra, ginecologista e obstetra da Clínica Dolce (SP)

Golden month: 6 passos para um pós-parto mais gentil

Viver o puerpério com calma e se entregar de corpo e alma é fundamental para fortalecer a mulher que você se torna com a maternidade

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Golden month: trate a si mesma com mais gentileza no pós-parto (Foto: Getty Images)

Mês de ouro. É assim que a medicina chinesa denomina o pós-parto. De acordo com essa filosofia, a mãe deve ser cuidada – tradicionalmente, pelas mulheres mais velhas – com tanta atenção e delicadeza quanto o recém-nascido. Ao longo das primeiras semanas que sucedem a chegada do bebê, o foco deve ser o bem-estar e a “cura” dela, que também renasceu para o mundo. Para os orientais, priorizar a recuperação gentil não é egoísmo, mas uma atitude vital para a sobrevivência da mulher e do bebê. Bem diferente do que acontece no mundo ocidental, onde somos estimulados o tempo inteiro pelas vidas perfeitas exibidas nas redes sociais. Ao rolar as telas, tudo o que se vê é uma volta expressa à “vida normal”, ao trabalho, à casa impecável e às medidas do corpo que cabiam no jeans antes da gravidez.

Aqui, 6 passos para você encarar esse período com mais carinho, gentileza e amor por você mesma - afinal, seu bebê precisa que você esteja bem, para poder ficar bem também. 

Sem cobrança
O pós-parto imediato é marcado por uma mudança física brusca. Não se cobre para reaver o corpo pré-gestação tão rápido, para não se frustrar. Seu corpo é incrível, fez outro corpo e isso exigiu muito. Dê a ele o tempo que precisa para se recuperar.

Movimente-se, mas sem pressa
A atividade física pode ser uma grande aliada para manter a saúde física e mental, mas nada de se preocupar com a perda de peso. Quando for possível, pratique exercícios tranquilos, como caminhadas e alongamentos.

Não idealize
Fique atenta ao que você vê nas redes sociais: não existe parto, amamentação e nem bebê perfeitos.

Renda-se à massagem
Nas tradições da Ásia, Oceania e África, as mães são massageadas diariamente após o parto. “É uma forma passiva de exercício: sem ter de usar a própria energia, sua circulação é estimulada e você obtém a sensação de bem-estar”, diz Jenny Allison.

Aceite ajuda e descanse (de verdade)
As mulheres podem fazer qualquer coisa, mas não precisam fazer tudo! Entenda que a independência é uma virtude, mas a interdependência também é. Sobretudo em momentos como o parto.

Faça um plano de pós-parto
Coloque tudo o que é importante para você no papel. Defina quem cuida do que, como será a dinâmica com o mais velho, com os pets... E não tem problema mudar essas escolhas depois que o puerpério de fato chegar.

Fonte:https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2021/04/golden-month-6-passos-para-um-pos-parto-mais-gentil.html



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