RECURSOS NATURAIS PARA LIDAR COM AS DORES DO PARTO: A MANEIRA COMO ENCARAMOS A DOR DO PARTO PODE MUDAR A FORMA COMO O EXPERIMENTAMOS

 

Parto  (Foto: Getty Images)

Parto (Foto: Getty Images)

Recursos naturais para lidar com as dores do parto

Veja como se manter o mais confortável possível para atravessar esse momento com tranquilidade. Spoiler: a principal ferramenta está no seu próprio cérebro

Mucular, dente, de cabeça, de cotovelo... A dor é uma mensagem do corpo com inúmeros significados: um músculo sobrecarregado, uma inflamação, uma tristeza. Parir também dói, mas, mesmo que não tenha dado à luz, você há de concordar que a origem dessa informação dolorosa é diferente das outras.

“Quando falamos em aliviar a dor do parto, precisamos levar em conta que ela é decorrente de um processo fisiológico e natural”, explica a doutora em enfermagem obstétrica Heloísa Lessa, fundadora do Instituto Michel Odent (RJ). Ou seja, nesse caso, o corpo não sinaliza que algo está errado, mas que tem um bebê a caminho. A sensação provocada pelas contrações e pelo processo de abertura do colo do útero tem características bem específicas. Em primeiro lugar, é um incômodo intermitente, vai e volta, e dura, no máximo, menos de um minuto, de cada vez. Em segundo, acaba logo que a criança nasce.

São muitos os fatores que influenciam a percepção do desconforto, de aspectos culturais ao limite individual. Tanto é que a descrição da dor por quem já concebeu uma criança varia de “deu para levar” a “quase morri” – e saiba que medo, tensão e cansaço pesam muito nessa hora. Uma mesma mulher pode ter experiências distintas, de acordo com o contexto e o nível de relaxamento.

Mas o fato é que, como toda situação-limite, parir envolve uma dose de intensidade provavelmente nunca antes experimentada. Encarar dessa maneira, como um desafio, já ajuda a atravessar as contrações partindo de outra perspectiva. “Faço uma analogia com o processo de fazer uma tatuagem. Na hora, você sofre e sente dor, mas, depois, imediatamente, fica feliz e olha para o resultado com um orgulho absurdo do que fez. Quando esse ‘resultado’ é um bebê, a sensação é indescritível, incomparável”, diz Heloísa, que atua como parteira há mais de duas décadas.

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DOR CONTROLADA
Optar pela analgesia, que na rede privada virou praxe e, na pública, muitas vezes não está disponível, é um direito da mulher. Diferentemente da anestesia, como é à base de analgésicos, que apenas controlam a dor, ela não bloqueia os movimentos nem a capacidade de sentir pressão. Com o consentimento da parturiente e bem administrada, pode ser valiosa. “Há analgesias que salvam o nascimento. Quando a mulher está há horas em trabalho de parto, pode ser a solução”, diz Heloísa. Por outro lado, também ocorre de a analgesia ser uma entre várias intervenções desnecessárias que podem desviar o andamento normal e levar até a um desfecho cirúrgico – aliás, o uso de recursos para acelerar o trabalho de parto, como ocitocina sintética e rompimento artificial da bolsa, aumenta muito as dores. Por isso, informação e critério nunca são demais.

A pressão por ter um parto natural também pode ser mais uma fonte de dor e de frustração. “Já vi casos de mulheres que se preparam, pesquisam, leem, fazem cursos e, na hora, ficam tão tensas querendo cumprir protocolos que não relaxam, não se entregam, e aí não conseguem deixar o trabalho de parto fluir. Já outras, que chegam sem saber de nada, sem estudar nada, têm o chamado parto a jato”, diz a parteira.

A principal explicação para tudo isso pode estar bem aí, dentro da sua cabeça, mais especificamente em duas áreas do cérebro que trabalham de maneiras opostas e que têm papéis fundamentais nos mecanismos que nos fazem sentir dor e amenizá-la.“A natureza do parto é tão completa que contempla também um sistema de alívio”, diz Heloísa. Para ativá-lo, é preciso “desligar” o neocórtex, que é a parte racional do cérebro, responsável por tomadas de decisão, pela linguagem, pela lógica. Assim, é possível deixar o cérebro primitivo, que controla as emoções e os instintos, trabalhar e atuar na liberação do sistema de endorfinas, hormônios responsáveis pela sensação de bem-estar e que funcionam quase como um analgésico natural.

As técnicas naturais externas aju- dam, sim, a aliviar a dor, mas é essen- cial ter em mente que o objetivo de todas é, justamente, ajudar a mulher a relaxar. Várias delas, aliás, podem ser utilizadas antes de recorrer ao alívio medicamentoso, ou também por quem quer um parto natural.

Listamos a seguir as principais estratégias que promovem conforto e permitem se concentrar naquilo que o organismo está pronto para fazer: trazer um filho ao mundo. Elas também são chamadas de tecnologias não invasivas de cuidados de enfermagem, já que não agridem o corpo nem a autonomia da mãe. Como não funcionam da mesma forma para todas as mulheres, vale conhecer cada uma das possibilidades. Ao final, quem deve decidir o melhor é sempre você!     
  
 A ESCOLHA DO AMBIENTE
Definir onde o parto será realizado e quem vai acompanhar é mais que um detalhe. O organismo justifica. É preciso estar tranquila para que o sistema de liberação de endorfinas não seja interrompido. Em um local inóspito, com pessoas estranhas ao redor, no entanto, a tendência é que domine a cena a adrenalina, protagonista das situações de estresse, liberada pela outra parte do cérebro, o neocórtex. Resultado: a mulher fica mais tensa – logo, sente mais dor.

“A gestante decide quem deve participar desse momento. Isso faz muita diferença, pois ela deve ser respeitada em todos os sentidos, com audição, toque, temperatura. Muitas pessoas frequentando esse ambiente pode ser um fator de interferência e prejudicar a evolução do processo”, afirma o ginecologista e obstetra Waldemar Carvalho, da Clínica Tempo Fértil (SP).

Para que se sinta acolhida, a mulher deve contar com uma equipe multidisciplinar de sua confiança. Caso deseje a presença de uma doula, que traz um grande apoio físico e psicológico, é preciso checar antes a polí- tica da maternidade, porque algumas delas exigem que a profissional tenha cadastro prévio. “O lugar deve ser calmo, com luz baixa e som relaxante. A luz indireta ou pe- numbra ajudam”, orienta Carvalho.

MOBILIDADE GARANTIDA
Está mais do que provado que uma mulher confinada ao leito, deitada, sente mais dor ao parir do que aquelas que têm liberdade para caminhar e se movimentar. Isso deve ser estimulado pela equipe de saúde. Qual posição é mais indicada? Não há regra. O melhor é observar o corpo, seguir as suas necessidades e experimentar o que traz mais alívio – agachar, sentar, mexer o quadril, apoiar-se no parceiro, ficar de cócoras ou de joelhos. Existem evidências de que a posição de quatro apoios reduz o risco de rompimento do períneo, a região entre a vagina e o ânus.

Na vertical, com a ajuda da gravidade, é possível que a duração do trabalho de parto seja reduzida. Mesmo em caso de alguma complicação que exija monitoramento, não é necessário que a movimentação seja limitada. A bola suíça, aquela usada nas aulas de pilates, também pode ser uma aliada e tanto. Além de massagear a região do períneo, mover a bacia facilita para que o bebê encontre o caminho de saída.

ÁGUA, FRIO E CALOR
Eis um ótimo auxílio para as longas horas do trabalho de parto: água quente. No chuveiro ou na banheira, a temperatura só não pode ser alta demais para não derrubar a pressão (37°C é uma boa medida). A banheira é mais recomendada a partir da metade do trabalho de parto, quando o intervalo das contrações já está curto e a dilatação se aproxima dos 6 centímetros. “Após duas horas, em média, de banheira, as contrações diminuem e isso pode retardar muito o período expulsivo”, diz Heloísa. Já quando as contrações estão intensas, a água pode ter efeito tão relaxante que faz alcançar mais rápido a dilatação total.

Se a imersão for em uma área mais ampla e profunda, deixando todo o útero submerso, o relaxamento e o efeito analgésico tendem a ser maiores do que quando o corpo não está inteiro coberto. O uso de bolsas ou compressas mornas é uma alternativa. O curioso é que o frio também funciona. Estudos demonstram que a aplicação de bolsa de gelo no abdômen tem efeito positivo no manejo da dor. Vale alternar quente e frio por 20 minutos cada um.

AGULHAS E ELETRODOS
“A acupuntura é uma das indicações para o trabalho de parto. Ela pode até substituir a anestesia química”, afirma Evaldo Leite, presidente da Associação Brasileira de Acupuntura.

técnica da medicina chinesa é eficiente não só para o controle da dor, mas para posicionar melhor o bebê e estimular contrações, caso necessário. Para não comprometer a mobilidade, a aplicação pode ser feita em pontos do tronco para cima. Outra possibilidade é a estimulação elétrica nervosa transcutânea (TENS, na sigla em inglês), realizada com eletrodos colados à pele. Ela reduz a transmissão de impulsos dolorosos para o sistema nervoso central e ameniza a percepção da dor.

RESPIRAÇÃO E MASSAGEM
Fechar os olhos e se concentrar na respiração servem para focar em si mesma e no que se está vivenciando. Assim, dá para administrar melhor os desconfortos. “A respiração livre facilita o processo de liberação hormonal e muda de acordo com a fase do trabalho de parto”, ensina a parteira Heloísa. “Não acredito em respirações treinadas. O que podemos fazer é ajudar a mulher a lembrar de respirar se, em algum momento, ela travar”, diz. Gemer e vocalizar com toda a intensidade, sem medo, levando a intenção desse grito para baixo, como se a força dele empurrasse mais o bebê também faz parte do processo e estimula o fluxo. No entanto, nos intervalos entre as contrações, procure manter os músculos do rosto, mandíbula e boca relaxados. “Beijar o parceiro ou até receber carícias sexuais, se o momento e o clima permitirem, pode ser uma grande ajuda”, diz Heloísa Lessa.

Massagens na região lombar costumam ter efeito positivo, tanto feitas por um profissional como pelo acompanhante – eles podem se revezar na tarefa. Um óleo vegetal ajuda a deslizar as mãos em movimentos circulares ou em uma pressão contínua. A mulher é quem determina como prefere. Também nos intervalos, massagem nas pernas, nos ombros e no pescoço são bem-vindas. Algumas parturientes, porém, preferem não ser tocadas durante todo o processo, e isso deve ser respeitado.

HYPNOBIRTHING
O método desenvolvido nos Estados Unidos usa técnicas de hipnose para resgatar a simplicidade do parto. “A ideia é ajudar a mãe a se livrar dos medos, a estar consciente para vivenciá-lo de uma forma positiva e instintiva”, diz a fisioterapeuta Lúcia Desideri Junqueira, hipnoterapeuta e educadora HypnoBirthing. Em um curso de 12 horas e meia (agora online, por conta da pandemia de coronavírus), que ela sugere fazer a partir da 14a semana de gestação, aprendem-se mecanismos de visualização de imagens de conforto e tranquilidade. A orientação é não colocar uma lente de aumento nos incômodos, mas no que há de bonito no parto. “Algumas mulheres que fizeram o curso relatam uma sensação intensa, mas não dolorida e sofrida”, conta.

Uma das estratégias está no vocabulário: as contrações, por exemplo, são chamadas de ondas. Assim, a mãe lembra que, da mesma forma que vêm, elas logo vão embora. “Ao diminuir a tensão, o corpo funciona melhor e permite maior conforto”, conclui Lúcia. Com tranquilidade e concentração, o próprio organismo indica os melhores caminhos. A mulher percebe a sensação de fluidez do trabalho de parto e sente seu corpo funcionando bem. Quando tiver seu filho nos braços, qualquer dor não será mais que uma memória distante.

Fonte:https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/noticia/2020/08/recursos-naturais-para-lidar-com-dores-do-parto.html

A maneira como encaramos a dor do parto pode mudar a forma como o experimentamos

Um novo estudo australiano sugere que mudar a maneira como a sociedade pensa e fala sobre o parto pode fazer uma enorme diferença na maneira como as mulheres o experienciam

Mãe com recém-nascido no colo depois de parto normal hospitalar (Foto: Getty Images)

Mãe com recém-nascido no colo depois de parto normal hospitalar (Foto: Getty Images)

Que o parto pode ser muito dolorido, ninguém tem dúvidas. Independentemente da forma como você escolhe dar luz ao seu filho,  e lembrando que não há uma maneira certa ou errada, o seu corpo passa por intensas sensações ao longo do processo. Por mais belo e mágico que seja este momento, ele ainda dói (e muito!).

Nesse contexto, um novo estudo feito pela Universidade La Trobe, na Austrália, analisou como e por que as dores do parto afetam as mulheres de maneira diferente. Segundo a pesquisa, mudar a maneira como a sociedade pensa e fala sobre o momento do parto pode fazer uma enorme diferença em preparar melhor a mãe para que ela tenha uma experiência mais positiva e segura. A especialista em dor de parto, doutora Laura Whitburn, contou para o site Kidspot como aconteceu a sua investigação escutando as experiências de dor no parto entre as mães de dois hospitais em Melbourne (Austrália).

"A dor do parto natural é muito diferente de outras dores, porque surge durante um processo em que o corpo de uma mulher está fazendo o que deveria estar fazendo, em vez de ser ocasionada por algo que deu errado", disse Whitburn. "Não há como negar que as contrações do parto são extremamente intensas (...) A dor é muito boa para captar a atenção da mulher que está em trabalho de parto e motivá-la a buscar segurança e cuidados durante o parto. Mas minha pesquisa mostra que nem todas experimentam e enxergam esta dor da mesma maneira”.

A pesquisa sugeriu que, se as mulheres fossem capazes de reformular seu trabalho de parto e permanecessem "presentes" e "concentradas", era mais provável que tivessem uma experiência positiva. “As mulheres que trabalham com a mentalidade de que existe um objetivo para a dor parecem capazes de fazer da dor parte da experiência. É menos provável que elas precisem de intervenções como anestesia ou cesariana”,  explica Whitburn.

A médica também analisou o efeito dos cuidadores durante o parto e qual o impacto que eles tiveram sobre como as mulheres se sentiam durante o trabalho de parto. “Parece que um elemento-chave para permanecer focado e resiliente durante o parto é garantir uma parteira ou uma pessoa de apoio que você conhece e confia e que está enviando mensagens positivas sobre seu corpo e seu progresso. Isso pode aumentar o senso de capacidade da mulher de lidar com a dor ”, disse.

Apesar da dor ser comum, a doutora Whitburn enfatiza que existe uma enorme diferença entre a dor do parto natural e dor associada a complicações - que sempre exigirão intervenção. Mas, considerando a crescente preocupação de que intervenções médicas desnecessárias podem aumentar os riscos à saúde de mães e bebês, há uma grande esperança de que esta pesquisa ajude a empoderar as mulheres quanto à sua força para que elas criem mais confiança e segurança durante a jornada do parto.

Não existe uma maneira "certa" de dar à luz. Mesmo que não exista uma razão "médica" para precisar de uma cesariana, você pode apenas querer uma, e isso é absolutamente seu direito e sua escolha. “Esta pesquisa está simplesmente tentando ajudar as mães a acreditar que são capazes de passar pelo trabalho de parto, que não é tão aterrorizante ou tão impossível quanto se poderia imaginar. Em vez de apoiar as mulheres a trabalharem com seus corpos durante o trabalho de parto, nossa atual cultura de nascimentos as prejudica. Ao reestruturar a maneira como pensamos e falamos sobre essa dor, podemos reduzir as intervenções médicas e melhorar a experiência das mulheres”, enfatiza Whitburn.

Fonte:https://revistacrescer.globo.com/Gravidez/Parto/noticia/2019/11/maneira-como-encaramos-dor-do-parto-pode-mudar-forma-como-o-experimentamos.html



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